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Artigo: A CBS e o Federalismo, por André Horta

Em artigo intitulado A CBS e o Federalismo, o diretor-institucional do Comsefaz, André Horta, aborda a proposta do governo federal para a Reforma Tributária, que prevê a extinção do PIS e da Cofins e criação da Contribuição sobre Operações de Bens e Serviços – CBS, e convida o leitor a uma reflexão sobre “as possíveis decorrências dessa iniciativa em nosso combalido federalismo”. Para ele, além da preocupação geral de alargamento da carga tributária por meio de uma sobrecarga justamente nos tributos indiretos, merecem atenção também a possível ampliação da União na base da tributação do ICMS e ISS e como se daria uma anunciada possibilidade de convergência futura da CBS com os principais projetos de Reforma Tributária discutidos no Congresso Nacional, nos quais a União prevê o acoplamento futuro da CBS ao Imposto sobre Bens e Serviços – IBS.

O artigo foi publicado nesta quarta-feira (12) no portal JOTA (veja aqui) e segue abaixo, na íntegra.

A CBS e o Federalismo

André Horta[1]

O governo federal apresentou ao Congresso Nacional em 21 de julho a proposta de novo tributo para a União, a Contribuição sobre Operações de Bens e Serviços – CBS, contribuição social que basicamente unifica outras duas preexistentes, as do PIS e da Cofins, além de proceder a algumas alterações formais na estrutura do tributo. As possíveis decorrências dessa iniciativa em nosso combalido federalismo, convidam a algumas reflexões.

Em angustiada síntese, o Federalismo é uma noção que prevê duas ordens de governo, com uma instância central e outras descentralizadas, que gozam de autonomia e têm essa organização fixada em regra constitucional. Já o Federalismo Fiscal cuida para que, nas atribuições dadas a cada ordem, os recursos disponíveis se harmonizem com as atribuições de cada uma dessas instâncias. 

Há sete anos, professor Sérgio Prado publicava o artigo “A Federação Inconclusa”, mirando a pauta do Federalismo Fiscal brasileiro. O texto registrava, com a prudência que o rigor científico reivindica, a discussão sobre o possível enfraquecimento dos estados na federação brasileira. O estudo, por exemplo, trazia uma série temporal de 1957 a 2009 da disponibilidade de receitas por nível de governo, entre outros tantos horizontes de análise.

Fonte: PRADO, Sérgio. O Federalismo inconcluso. In: REZENDE, Fernando (org.). O federalismo brasileiro em seu labirinto: crise e necessidade de reformas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2013. p. 171.

O segmento da União entre 1964 e 1983 registra a evolução crescente de maior amplitude do quadro. Suas receitas disponíveis saltam de 52% para 69% do total. E como há uma correspondência intuitiva, de início, entre as atribuições de uma ordem e a prescrição dos recursos e, num segundo momento, sobredeterminante, entre os recursos disponíveis e os encargos atribuídos, a sensível coreografia da recentralização, da concentração, é uma legítima convocação ao esforço analítico.

Os estudos federativos comparados mostram, muito serenamente, que a diversidade é a característica mesma dos modelos federativos, inexistindo design canônico, mas sim técnicas institucionais de coordenação e equilíbrio verticais (entre o centro e poder regional) e horizontais (entre as instâncias regionais) que são menos impermeáveis a uma tentativa de universalização formal de certos procedimentos.

E, embora quase todos reafirmem que a qualidade de uma federação não se mede pela intensidade da centralização ou descentralização em si, algumas peculiaridades como a geografia dos países, persuadem o comportamento de certas categorias dos modelos.

Um país de dimensão continental como o Brasil provavelmente se beneficiaria de uma divisão de tarefas em níveis político-administrativos que compreendesse as vantagens da desconcentração.

A partir das Diretas Já! em 1983, o processo de redemocratização que foi coroado pela Constituição de 1988, se correlacionou com o recalibre federativo desconcentrador que posicionou a participação do ente central nas receitas disponíveis em 54,7% em 1991.

Daí pra cá, com altos e baixos, no sentido e condições acima fixados, é dado que a federação reagravou seu desequilíbrio.

Atravessando abruptamente essa singela perspectiva das receitas na nossa história federativa recente, que por certo mereceria a concorrência de variáveis outras para fazer justiça a um debate federativo consistente, saltamos para a apresentação do novo tributo proposto pela União na semana passada, a Contribuição sobre Operações de Bens e Serviços – CBS, que, como dissemos, basicamente unifica as contribuições do PIS e da Cofins.

O que agitou a atenção de estados e municípios foi o encaminhamento de uma alíquota geral de 12% que possivelmente estaria acima do poder arrecadatório precedente da soma dos tributos individualizados.

Não se trata aqui somente de uma preocupação geral, de alargamento da carga tributária por meio de uma sobrecarga justamente nos tributos indiretos. Por si só isso seria uma cautela legítima, dados os esforços generalizados com a redução das desigualdades.

A seara da proposta que interessa aos estados e municípios é a que diz respeito à da possível ampliação da União na base da tributação indireta, o principal campo de levantamento de recursos próprios dos entes subnacionais, por meio do ICMS e do ISSQN.

E indo mais além, de como se daria uma anunciada possibilidade de convergência futura da CBS com dois dos principais projetos de Reforma Tributária discutidos no Congresso Nacional, nos quais a União prevê o acoplamento futuro da CBS ao Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, que consta nas PEC 45/2019 e 110/2019.

Ora, é mais que sabido que a base tributária de consumo do Brasil já é excessivamente exigida, assim como a de renda e patrimônio é subutilizada. O sobrepeso na primeira estorva o chamado mercado real (da indústria, do comércio e dos serviços) e penaliza os mais pobres, enquanto que a segunda é a ferramenta arrecadatória mais relevante da esmagadora maioria dos países ditos desenvolvidos.

Mas, sem perder o foco, esses projetos de reforma tributária dos impostos indiretos em discussão no Congresso Nacional preveem a unificação dos principais tributos indiretos da União, estados e municípios. A competência e a gestão desse possível novo tributo unificador e outros aspectos importantes de autonomia federativa são os assuntos que têm liderado a agenda de debates desses projetos. O alerta prudencial dos estados e municípios está aceso desde 2019. Não é desprezível a possibilidade de se aprofundar as já desequilibradas forças federativas atuais.

Em tais projetos constam, com algumas diferenças pontuais, a existência de um órgão deliberativo de larga competência, chamado de Comitê Gestor do IBS – CGIBS, que teria inicialmente a participação da União e dos entes subnacionais em posição de igualdade.  Dada a desigualdade do poder político da União frente ao Congresso, de sua participação atual em 67% da carga tributária pátria e da própria dependência dos entes subnacionais deste ente central, poderes iguais num eventual Comitê significariam a opressão dos desiguais. Por esta razão, para somar equidade ao CGIBS, os estados propuseram uma emenda na Comissão da Reforma Tributária (EC 192 à PEC 45/2019) que preserva a integralidade arrecadação da União, mas compensa os estados e municípios com os poderes gerais de gestão.

Em diálogos inspirados pela convergência política, os estados cogitaram apoiar a proposta mesmo havendo a possibilidade de admissão da União no Comitê, mas com os entes com poderes do tamanho da representatividade individual dos tributos amalgamados de cada ente – o que ainda conferiria preponderância maior que 2/3 aos estados e municípios.

Se a União consegue agora com essa CBS alargar a sua base indireta, então os poderes políticos seriam proporcionalmente também alterados no Comitê.

Ainda não disponibilizada uma memória de cálculo que dê conta da alíquota de 12% apresentada, adiantou-se que, para sua construção distendida concorreram a alteração do modelo da cobrança que agora passa a ser “por fora”, não-cumulativa e que o valor compreende dentro dele um spread entre alíquota nominal e efetiva, que comporta a incidência de benefícios fiscais preexistentes, os quais seriam mantidos por hora. No cálculo dos estados este cenário apontaria para uma arrecadação que não ultrapassaria algo em torno 9% efetivos, como teria acontecido em 2018. Sopesando melhor o efeito a não-cumulatividade, para o IBRE/FGV fatores como a não cumulatividade levariam a 10,1%.

O problema político para estados e municípios aí é bastante simples: demarcar e segregar a proposta de alíquota a ser apreciada pelo Congresso Nacional da discussão do acoplamento ao IBS. O tamanho do IBS já terá que ser naturalmente uma das maiores alíquotas que se tem registro porque alíquota é reflexo matemático da representatividade relativa de um montante e o Brasil ao longo de décadas concentrou enormemente sua tributação no segmento indireto.

Para financiar seus deficit a União tem desprezado suas bases diretas de tributação de renda e do patrimônio, cujos efeitos positivos no tocante à redução desigualdades são conhecidos e difundidos por robustas pesquisas no campo econômico. Não fosse antes uma imposição do texto constitucional no que toca ao princípio da capacidade contributiva. E cuja arrecadação compartilhada não concorre para aprofundar o processo de degeneração de nosso federalismo, como inicialmente rememorado.

Então a eventual fixação de alíquota pelo Congresso para a CBS precisa respeitar o teto de tributação indireta dos entes fixado nas discussões políticas da reforma tributária em 2019 para que o que o lado dos descontentes com os projetos não se avolume.

[1] André Horta é o atual diretor-institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda – Comsefaz e assessor federativo da Secretaria da Fazenda do Estado do Piauí. É ex-Secretário de Tributação do Estado do Rio Grande do Norte.

(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

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