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Novo benefício fiscal ao IPI causa prejuízo ao financiamento de serviços públicos estaduais e municipais

População mais pobre é mais dependente desses serviços.

Durante evento promovido por banco privado na terça-feira (22), o Ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que pretende realizar um corte linear de 25% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Conforme o Ministro, a intenção é “estimular a atividade econômica, diminuindo custos que o setor produtivo acaba por repassar ao consumidor final”.

Vamos fazer o primeiro movimento agora e reduzir 25% do IPI. É um movimento de reindustrialização do Brasil

esse excesso de arrecadação não é para inchar a máquina de novo. Preferimos transformar esse ganho de arrecadação em redução de impostos para milhões de brasileiros[1].

A prática brasileira já mostrou que a iniciativa aponta para dois equívocos, a redução do IPI em passado recente não mostrou resultado satisfatório para incentivar a indústria; e não há aumento estrutural da arrecadação que justifique a redução de receitas.

Na prática, a medida concorre também para o desequilíbrio fiscal de estados e municípios e deve fragilizar o resultado consolidado do setor público (que inclui União, estados, municípios e algumas estatais).

Impacto no lucro do setor e não na atividade da indústria

A justificativa utilizada pelo Ministério da Economia para implementar a redução de 25% do IPI de incentivar a indústria brasileira não é plausível, pois isso já foi realizado recentemente, em 2008, não surtiram os efeitos esperados. A redução do IPI não se mostrou a melhor forma de incentivar a atividade industrial, tampouco de reduzir o preço final ao consumidor. O que fez, de fato, foi alargar as margens de retorno do setor beneficiado.

Após a crise internacional de 2008, o Governo Federal implementou uma série de subsídios fiscais com o objetivo de estimular a indústria. O IPI foi um dos impostos utilizados para incentivar a atividade industrial, principalmente na primeira metade da década de 2010, com subsídios para eletrodoméstico da linha branca, automóveis e móveis. Entretanto, a medida não alcançou os resultados previstos, como reconheceu o governo da época[2] e especialistas que avaliaram o impacto das reduções de receitas[3].  “A redução só vai facilitar a vida das empresas, que vão aumentar suas margens”, afirmou o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, entendimento acompanhado por outros especialistas que rejeitam as motivações alegadas para a medida, além de alertarem para o desequilíbrio fiscal que acarreta.

Porque além de não ter capacidade de incentivar a atividade industrial e de reduzir os preços, o corte do imposto terá reflexos fiscais preocupantes nas três esferas federativas. O IPI é um imposto federal, mas cuja arrecadação atende também a necessidades fiscais de estados e municípios: 21,5% do que ele arrecada destina-se ao Fundo de Participação dos Estados (FPE), e um agregado de 25,5% ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), entre outras destinações.

Além desses fundos, 10% da arrecadação do IPI são transferidos aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados, sendo que cada Estado repassa 25% aos seus respectivos municípios.

O agravamento da situação fiscal dos entes pela redução de receitas ocorrerá em toda a federação, no caso um corte 25% no IPI[4]. A capacidade dos estados e municípios de manterem os serviços públicos essenciais à população fica comprometida. A tabela a seguir mostra o impacto fiscal da medida.

A redução de 25% do IPI poderá gerar um impacto fiscal de R$ 20,9 bilhões no total, considerando a previsão de arrecadação do imposto da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2022. Desse montante, a União arcará com R$ 8,4 bilhões e os subnacionais arcarão com R$ 12,5 bilhões, sendo R$ 4,5 bilhões no Fundo de Participação dos Estados (FPE), R$ 5,3 bilhões no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 2,1 bilhões no Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-Exp). Isso, sem descontar o repasse de 20% para o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Os Fundos Constitucionais FNE (Fundo de Financiamento do Nordeste), FNO (Fundo de Financiamento do Norte) e FCO (Fundo de Financiamento do Centro-Oeste), que financiam políticas de desenvolvimento regional, também serão impactados em R$ 0,6 bilhões.

Aumento estrutural de receitas

Em sua fala, o ministro justifica que é possível cortar os tributos, pois ocorre “excesso de arrecadação”. Guedes faz referência ao entendimento do Ministério da Economia de que está ocorrendo aumento estrutural de receitas, conforme Nota Informativa divulgada pelo ME[5].

O argumento utilizado pelo Ministro é inconsistente, como mostrou artigo[6] publicado sobre política fiscal e ciclo econômico. Conforme os autores, não existe aumento estrutural de receitas, a nota do Ministério da Economia faz uso equivocado do conceito.

Eles explicam que a Nota Informativa utiliza indevidamente o termo “estrutural” ao se referir ao efeito da inflação na arrecadação. Também alertam que não se trata de desconsiderar o efeito da inflação no ajuste fiscal, o termo “estrutural” é utilizado pela literatura “para diferenciar as mudanças permanentes do resultado fiscal das oscilações decorrentes de fatores cíclicos, atípicos ou não-recorrentes”. Ou seja, é necessário mudanças na estrutura da economia ou na legislação.

Portanto, o crescimento real da arrecadação não é sinônimo de crescimento estrutural, como argumenta o Ministério da Economia. É necessário isolar os efeitos cíclicos e comportamentos conjunturais da economia, como é o caso, por exemplo, do comportamento da arrecadação do setor de serviços em comparação com a indústria, durante a pandemia. Trata-se de uma conjuntura específica que tende a não se consolidar ao longo do tempo.[7]

Qualquer redução da arrecadação com a justificativa de que houve aumento estrutural precisa ser visto com preocupação. Os estados enfrentam grave crise fiscal desde 2014, estão longe de recuperar as receitas necessárias para prestar os serviços públicos com a qualidade que a população necessita, e já reduziram sua arrecadação em 3,4 milhões de reais desde novembro com o congelamento dos combustíveis. Mais um corte no orçamento dos entes federativos, como o proposto pelo Ministério da Economia, compromete ainda mais a prestação de serviços essenciais como educação, saúde e segurança.

Foto: Roque de Sá/Agência Senado


[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/02/guedes-diz-que-reducao-de-ipi-sera-de-25-custo-e-calculado-em-r-20-bi.shtml?origin=folha

[2] Cometemos “… um erro importante, o nível de desoneração de tributos das empresas brasileiras. Reduzimos a contribuição previdenciária, o IPI, além de uma quantidade significativa de impostos. Com isso, tivemos uma perda fiscal muito grande. Nossa expectativa era evitar que a crise nos atingisse de forma pronunciada.” Mas “… ao invés de investir, eles aumentaram a margem de lucro às custas de mais fragilidade nas contas públicas.”

[3] ORAIR, R. O.; GOBETTI, S. W.; SIQUEIRA, F. F. (2016). Política fiscal e ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. Prêmio Tesouro Nacional de Monografias 2016, 2o lugar.

[4] https://oglobo.globo.com/economia/governo-preve-corte-de-25-no-ipi-para-pressionar-estados-reducao-pode-chegar-50-25377956

[5] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/conjuntura-economica/estudos-economicos/2021/ni-elevacao-estrutural-da-arrecadacao-federal.pdf

[6] Ver: https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/politica-economica/outros/uma-avaliacao-estrutural-da-evolucao-recente-da-arrecadacao-partir-das

[7] A arrecadação tributária estadual em dezembro de 2021 já apresenta crescimento real negativo.

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