Imagine um cenário onde o comércio local passa a ser mais tributado do que os fornecedores de outros estados. Isso representaria um grande retrocesso para o país, considerando que a maior parte das iniciativas empresariais se concentra nos mercados locais dos estados. Além disso, seria pouco estratégico e sustentável intensificar o transporte rodoviário em um país de dimensões continentais, quando o desenvolvimento local poderia ser incentivado.
Apesar dessas questões, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei complementar que ameaça o equilíbrio fiscal entre os estados, amplia as desigualdades regionais e fragiliza o ambiente de negócios. Trata-se do PLP 176/2019, que revoga a exigência de antecipação do recolhimento do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS para empresas optantes pelo Simples Nacional. A sua eventual aprovação deve provocar um desajuste econômico e federativo, com impacto de R$ 7 bilhões nas contas públicas dos Estados e Distrito Federal.
Trata-se de anomalia de modelo tributário que é possível cometer quando ainda se tem um sistema em que parte da tributação nas operações interestaduais se dá na origem das mercadorias. É tão agressivo aos comércios locais que chega ser surpreendente a própria propositura de algo do gênero. Desastroso do ponto vista econômico e social, o projeto ainda incentiva o aumento do consumo e a dependência do país em relação aos combustíveis fosseis ao estimular o transporte rodoviário, principal modal do país, mesmo diante de uma nova realidade mundial que busca a transição energética para modelos ambientalmente sustentáveis.
STF julgou pela preservação do equilíbrio entre os entes federados
O PLP 176/20219 vai em contramão de decisão já proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de agosto durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6030, na qual a Corte consolidou um entendimento que promove a concorrência justa e preserva o equilíbrio entre os entes federativos
A Ação foi relatada pelo ministro do STF Gilmar Mendes que, em seu voto, destacou que a exclusão das microempresas do diferencial de alíquotas geraria um desarranjo econômico e federativo significativo:
“O critério de escolha predominante seria o local de estabelecimento dos fornecedores, preferindo-se sempre aqueles localizados em outra unidade da federação”, afirmou, ressaltando que tal situação prejudicaria diretamente a competitividade local e o equilíbrio fiscal entre os estados:
“Eventual procedência do pedido ensejaria ainda outra consequência indesejada, pernicioso desarranjo na cadeia produtiva de setores econômicos relevantes, engendrando segregações pela maior ou menor eficiência econômica ou vantagem competitiva oferecidas por determinadas empresas, afinal, passar-se-ia a evitar a aquisição de insumos junto àquelas estabelecidas no mesmo Estado da Federação, precisamente para evitar a incidência da alíquota interna” reforçou o ministro.
O entendimento do relator Gilmar Mendes foi unânime entre os ministros da Corte. A decisão reafirmou a constitucionalidade de trechos da Lei Complementar 123/2006, que regulamenta o Simples Nacional, a Suprema Corte assegurou a aplicação da substituição tributária e do diferencial de alíquota nas operações interestaduais realizadas por microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP).
Os estados acreditam que não há razão para o PLP 176/2019 permanecer na pauta da CFT. A manutenção da decisão do STF pelos parlamentares representa um avanço importante para garantir um mercado mais justo e competitivo, reforçando os princípios de justiça fiscal e equilíbrio entre os entes federativos.
O cumprimento das regras de substituição tributária e do diferencial de alíquota, inclusive para micro e pequenas empresas, é fundamental para que o Brasil continue a progredir em direção a um ambiente de negócios mais transparente e equilibrado para todos.
Tramitação
Pauta prevista para a sessão da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) desta quarta-feira (09), o PLP 176/2019 é de autoria da deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), com relatoria da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ). O projeto já foi aprovado nas comissões de desenvolvimento econômico (CDE) e de indústria, comércio e serviços (CICS).
Foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil