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Em Colóquio Internacional de Filosofia Política, diretor institucional do Comsefaz coloca uma lupa no financiamento das democracias 

Por Renato Lisboa, jornalista, especial para o Comsefaz

Realizado de 7 a 9 de julho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, o IV Colóquio Internacional de Ética e Filosofia Política “A democracia em questão: horizontes e ameaças” é organizado pelo Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política da UFRN.

O evento dá espaço ao debate para pesquisadores brasileiros e estrangeiros, e incentiva o estreitamento dos laços de pesquisa da universidade com pesquisadores da comunidade nacional e estrangeiras, favorecendo a composição interdisciplinar de suas mesas de conferências.

Organizado pelo professor do Departamento de Filosofia, Sérgio Dela Savia, o colóquio contou esse ano com a participação de M. Emmanuel Picavet, professor de filosofia na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne; Wécio Araújo, professor associado da UFPB, do Núcleo de Pesquisa em Filosofia Social; e André Horta, diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz).

Regido por uma Constituição, o Estado é indispensável para mobilizar e canalizar de forma eficaz os recursos de uma sociedade, também usando-os em problemas urgentes (incêndios, enchentes, catástrofes em geral, por exemplo), quando necessário. E, para isso, é preciso o financiamento adequado através de uma tributação que, no mínimo, atenda às necessidades dos mais vulneráveis.

A ideia é defendida pelo diretor do Comsefaz, André Horta. Ex-secretário de Tributação do Rio Grande do Norte, ele é auditor fiscal de carreira, bacharel em Direito pela UFPB e mestre em Filosofia pela UFRN.  

Horta revisita as ideias do livro “O custo dos direitos: por que a liberdade depende dos impostos”, de Cass Sunstein e Stephen Holmes, lançado em 1999.

O diretor do Comsefaz fez seu painel “O custo da democracia”, dentro da programação do Colóquio, e ressaltou a relação direta entre a tributação e a liberdade:

“Embora assim não tenha nascido, a tributação se tornou a forma do exercício da ação coletiva de uma sociedade. Nossas organizações sociais principais não se dão mais em pequenas comunidades, onde cada um realiza um trabalho direto para contribuir com a coletividade. Com a complexidade das sociedades, o nosso esforço para o social é traduzido em moeda e compartilhado com e para os demais concidadãos. Esse modelo tomou essa forma contemporânea de cooperação coletiva que é, em seguida, transformada pelo estado em bens comuns, como estradas, escolas e hospitais mas, principalmente, na própria existência e manutenção de instituições consagradas do processo civilizatório, como os diversos direitos, a Justiça, a previdência etc. Contudo, estamos vendo, nas últimas décadas, uma regressão do que aconteceu naquelas décadas seguintes do pós-segunda guerra. Na prática, o crescente apoucamento e regressividade dos recursos tributários pressionam a extensão das benesses sociais, do usufruto coletivo”, diz ele, referindo-se ao que chama de deterioração do “Estado de Bem Estar Social”, que está, em grandes linhas, previsto na forma de lei, na Constituição Federal de 1988.

Além da falta de um compromisso mais sério na construção de uma sociedade mais justa, Horta alerta para o movimento “anti-imposto” de alguns segmentos da sociedade, o qual acontece simultaneamente com a elevação da popularidade de regimes autoritários.

Ele cita uma pesquisa recente do Instituto Datafolha (de dezembro de 2024) apontando que 69% dos brasileiros consideravam a democracia como a melhor forma de governo. O resultado demonstrou uma fatia inferior, quando comparado a uma pesquisa de outubro de 2022, na qual 79% dos entrevistados afirmaram preferir a democracia:   

“A própria democracia vai perdendo a sua popularidade na medida em que não entrega eficientemente os bens coletivos. Para fazer isso, precisa de recursos. Nessa toada, observamos que as democracias vêm reduzindo os impostos dos mais ricos e comprometendo a extensão de diversas políticas sociais”, declara.

O diretor do Comsefaz também cita como exemplo o chamado “One Big Beautiful Bill”, proposta nos Estados Unidos, aprovada no dia 1º de julho. A medida reduz tributação sobre os mais ricos e amplia gastos militares, mas reduz programas sociais como o Medicaid (seguro-saúde para o público de baixa renda). 

A ideologia

De acordo com André Horta, é necessário perceber que aqueles que não desejam que a coletividade se organize trabalham, no campo ideológico, para incutir na cabeça do cidadão que o esforço arrecadatório de impostos e o efeito de seus gastos não vale à pena.

Ou que temos um Estado “inchado”, voluntariamente ineficiente, e que o saneamento das finanças públicas deve se ater à via do corte dos investimentos dos poderes executivos das três esferas, justamente o que faz valer a ação das políticas públicas.  

“Mas há uma diferença razoável entre o que se fala e o que realmente acontece”, observa. Para isso, continua, o debate deve ser feito “à luz do sol” baseado em dados e estatísticas concretas. Os números põem em questão o fato de setores privilegiados, que menos pagam impostos em termos relativos, serem o segmento da sociedade que mais se volta contra os impostos.

Solidariedade fiscal

Durante a palestra, Horta apresentou o livro “Solidariedade Fiscal: desmistificando o nível de tributação e seu impacto no crescimento econômico”, lançado pela editora Contracorrente, uma pesquisa promovida pelo Comsefaz. Os autores são Pedro Humberto Bruno de Carvalho Junior, Claudia M. De Cesare e Alexandre Cialdini. 

A obra traz, com maior riqueza de detalhes, a questão do conflito distributivo no Brasil e do gasto público brasileiro comparando com 126 países. Os autores criticam o baixo nível de informação a respeito do ambiente tributário do país e, na contramão do senso comum, defendem que os tributos podem contribuir para um bom ambiente de negócios, uma vez que empresários precisam de uma boa infraestrutura para o escoamento de sua produção, infraestrutura essa que é financiada pelos impostos. Com propriedade e embasamento, os pesquisadores mostram como as ineficiências na arrecadação de impostos comprometem o desenvolvimento e acentuam o problema da desigualdade social.

A assimetria na percepção do dimensionamento dos recursos é um ponto de partida. Quando é analisado o item “Arrecadação Tributária por percentual do PIB (Produto Interno Bruto – 2019)”, o Brasil (com 33% do PIB) ocupa a 29ª colocação em um ranking encabeçado pela Dinamarca (54,4%), França (52,5%), Bélgica (49,9%) e Suécia (49,4%). Ou seja, países com melhores indicadores sociais, possuem uma solidariedade fiscal maior.

Já na arrecadação tributária per capita, em dólares de 2019, o Brasil ocupa a 53ª posição, com US$ 8.660 anuais, atrás de países como Chile, Uruguai, Turquia, Argentina, boa parte do Leste Europeu e países desenvolvidos. Novamente a lista é liderada por países nórdicos: Luxemburgo (16 mil dólares anuais), Dinamarca, Noruega e Áustria.

André Horta observa que o nível de arrecadação tributária tem um forte impacto no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mostrando uma correlação elevada. Ou seja, 94% do IDH é explicado pela arrecadação per capita. Os dados deixam claro o quanto o debate sobre os impostos no Brasil é permeabilizado por lacunas nas informações.

“Os tributos representam o oposto do que prega comumente. E dessa forma não priorizamos uma vida melhor em sociedade, oferecendo uma menor quantidade de bens públicos”, observa Horta.

Concluindo, André Horta ressalta que, para uma sociedade que se pretende ser “de bem estar”, o seu financiamento deve ser um assunto permanente e poderia avançar no debate sobre solidariedade fiscal.

Mais debates

O organizador do colóquio e professor do Departamento de Filosofia da UFRN, Sérgio Dela Savia, falou sobre os embates frequentes em torno dos financiamentos das políticas públicas no Brasil:

“É uma luta com grupos de poder que pretendem manter os privilégios de uma parte minúscula da sociedade, a elite financeira, principalmente”, declarou.

Ele acrescenta que a reação popular sobre a derrubada do decreto do IOF pelo Congresso Nacional foi surpreendente pela maneira espontânea que aconteceu e acredita que essa vigilância deverá permanecer. 

A estudante de filosofia da UFRN, Clara Scotelari, perguntou a André Horta como era a tributação em um país como a China, que diferente das maiores economias do mundo, tem arrecadação menor. O diretor do Comsefaz explicou que se tratam das particularidades de um país de um sistema político mais diverso que aqueles do conjunto analisado. O estado chinês tem outras fontes de financiamento, como grandes iniciativas negociais estatais, por exemplo, para conseguir se suprir de receitas públicas. Os países que se financiam por grande riqueza petrolífera, por exemplo, também são um ponto fora da curva nessas análises.

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