Por Flávio Arantes*
O debate sobre o ajuste fiscal brasileiro tem ganhado novos contornos atualmente por conta das medidas adotadas pelo governo federal que visa(va)m ao aumento da arrecadação. Não é de se estranhar a discussão porque, na história mais recente do país, ajuste fiscal quase sempre significou buscar medidas que controlassem o crescimento ou que reduzissem, efetivamente, os gastos públicos do país. É (ou era) o ajuste pelo lado das receitas, como o Ministro Haddad afirmara em diversas oportunidades.
Entretanto, para muitos especialistas, a estratégia de aumento da arrecadação parece ter chegado ao seu limite, com custos políticos e econômicos para o governo federal, de modo que os argumentos favoráveis ao corte ou contingenciamento dos gastos públicos ganharam proeminência no debate e resultaram no congelamento de R$ 15 bilhões no orçamento federal no início deste mês.
Tendo como pano de fundo não só esse debate atual, mas também a longa discussão sobre qual seria a melhor medida para ajustar as contas públicas e gerar crescimento econômico, os pesquisadores do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP), elaboraram uma nota técnica para avaliar o efeito das diferentes medidas de ajuste fiscal sobre o PIB brasileiro.
Utilizando metodologia consagrada na literatura internacional e os dados públicos oficiais disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional e pelo Banco Central do Brasil, os autores estimam tanto os multiplicadores fiscais brasileiros quanto simulam os efeitos de diferentes medidas de ajuste fiscal para a nossa economia no período de 1997 a 2023.
De modo geral, o conceito de multiplicador fiscal expressa o quanto cada Real do orçamento público impacta em “outros Reais” na economia. O exemplo mais comum usado é sobre o gasto público, ou seja, cada Real gasto pelo governo federal gera (ou deixa de gerar) quantos Reais na economia brasileira? Mas o raciocínio também pode ser feito para cada Real poupado (ou cortado), arrecadado, transferido ou subsidiado pelo setor público. Assim, os pesquisadores chegaram às estimativas de que os investimentos públicos e os gastos com benefícios sociais têm melhor impacto sobre economia, uma vez que cada R$ 1,00 investido gera R$ 2,60 a mais no PIB (multiplicador fiscal de 2,6) e cada R$ 1,00 pago em benefício social gera R$ 2,15 (multiplicador de 2,15) a mais para a economia do país. Por outro lado, o aumento das receitas e o aumento dos gastos com pessoal representam multiplicadores fiscais negativos de -0,55 e -1,18, respectivamente.
Com base nessas estimativas de impacto os pesquisadores simularam três cenários para lançar luz sobre qual medida de ajuste seria mais apropriada para aumentar o PIB da economia e, como consequência, reduzir a relação da dívida pública sobre o PIB. A diferença, contudo, é que, ao invés de usar a moeda brasileira como medida de referência, a literatura usa porcentagem do PIB. Dessa forma, os cenários apresentados pelos pesquisadores respondem às seguintes questões: qual o impacto na economia brasileira de um ajuste fiscal com base no corte de gastos públicos equivalente 1% do PIB? E se o ajuste fiscal vier com o aumento de 1% do PIB nas receitas públicas? E, por fim, qual o impacto na economia de um aumento tanto nas receitas quantos nos gastos equivalentes a 1% do PIB?
Segundo os autores, o pior desempenho seria o corte do equivalente a 1% do PIB dos investimentos públicos, que levaria a uma queda de 2,40% no PIB e uma maior relação dívida/PIB (60%). Da mesma forma, um corte nos benefícios sociais levaria a uma queda de 1,81% no PIB e a uma relação de 59,4% na dívida/PIB. Por outro lado, o melhor desempenho para a economia brasileira seria a combinação do aumento das receitas com o aumento dos gastos com maiores multiplicadores fiscais, apresentados no cenário 3 do estudo. Nesse caso, o aumento da arrecadação combinado com aumento dos gastos públicos equivalente a 1% do PIB leva a um crescimento no PIB de 1,91% se o gasto for em investimentos públicos ou 1,28% se for com benefícios sociais. Já se o gasto for com subsídios, a resposta do PIB é negativa em 0,33%. No caso do impacto sobre da dívida/PIB, a relação cai para 57,4%, 57,9% e 59,2% respectivamente.
Em usa, os autores concluem que:
“Do ponto de vista tanto de crescimento econômico quanto de um potencial controle do endividamento público, a melhor política é a combinação de aumento de receitas e de gastos com investimento público ou benefícios sociais. As medidas que geram o maior custo em termos de impacto no PIB e potencial elevação da razão dívida-PIB, por sua vez, estão associadas ao ajuste via corte justamente de investimento e benefícios sociais. Nossos resultados também demonstram como o corte de subsídios é, de fato, a melhor política do lado dos gastos”.
A nota, portanto, acrescenta mais elementos para enriquecer o debate brasileiro, abrindo mais um caminho para as reflexões sobre o ajuste fiscal no país.
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* Flávio Arantes é doutor em economia e assessor técnico do Comsefaz.
Foto: Universidade de São Paulo (USP)