Traduzir para uma linguagem simples e acessível dados fiscais e conceitos complexos sobre orçamentos é um dos desafios da educação fiscal. A boa notícia é que alguns estados brasileiros têm cases de sucesso importantes para mostrar e inspirar outras iniciativas. Nesta quarta-feira (26), na abertura do USP International Conference on Accounting, o primeiro debate promovido pelo Comsefaz apresentou iniciativas do Rio Grande do Norte, Bahia e Santa Catarina que estimulam a transparência e o controle social.
O Comsefaz é um dos apoiadores do evento que promove, até sexta-feira (28), debates importantes com foco na questão fiscal brasileira. As mesas estão ocorrendo na sala E3 da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEAUSP).
No painel Balanço Cidadão: experiências dos governos estaduais da Bahia, Rio Grande do Norte e Santa Catarina, três gestores explicaram como estão conseguindo envolver a sociedade ao facilitar o acesso do cidadão a informações que, geralmente, ele não entende e, por isso mesmo, distorce fatos ou é induzido a acreditar em informações equivocadas.
Teoria do pertencimento
O contador geral do Governo do Rio Grande do Norte Flávio George Rocha apresentou o projeto RN + Fácil, que utiliza o conceito da Teoria do Pertencimento, definido pelo psicólogo Abraham Maslow para destacar a necessidade do ser humano pertencer a um determinado grupo social.
Ele explicou que o desafio de descomplicar o que ele chama de contabilês tem o objetivo de tornar fácil uma leitura técnica. Para tanto, o RN + Fácil utiliza o método das storytelling para contar historinhas usando recursos audiovisuais e humanizando personagens. Assim nasceram o Zé Continha e a professora Poti, uma referência aos indígenas potiguaras, primeiros habitantes do Estado. Em 2021, as histórias sobre o orçamento contábil vieram com explicações sobre pontos turísticos famosos de Natal, como o Morro do Careca, no bairro de Ponta Negra:
– A gente se prende nos conceitos da execução orçamentária, pois estamos voltados para o dia-a-dia do cidadão. O cara quer saber o que é despesa empenhada. Ele pergunta: o que danado é restos a pagar? O nosso foco é traduzir esses conceitos e dados. Nosso olhar é para o público e o cidadão comum, todo ano fazemos esse exercício para melhorar, disse.
Transparência e controle social
O professor e contador geral do Estado da Bahia Manoel Roque dos Santos lembrou que antes do debate sobre educação fiscal é necessário entender os conceitos de transparência e controle social para facilitar o envolvimento do cidadão. Ele apresentou o projeto de prestação de contas simplificadas do Governo da Bahia, que vem ajudando os baianos a entenderem melhor as informações contábeis do Estado:
– Transparência e controle social são fundamentais para entender o contexto, até para o usuário ver que não se trata de um documento bonitinho na internet, que tem tudo a ver com a informação gerencial do Estado. Qualquer iniciativa de levar informação fiscal precisa estar numa premissa de que essa informação seja clara, entendível. Porque prestar contas não é apenas um desejo nosso, é uma obrigação constitucional, ressaltou o contador.

Como a educação fiscal ajuda a derrubar o mito de que o cidadão paga muito imposto
Quando entrou para o serviço público aos 21 anos de idade, a atual diretora de Contabilidade e de Informações Fiscais do Estado de Santa Catarina Graziela Meincheim, assim como boa parte da população, pensava que o cidadão pagava no Brasil muitos impostos mas não sabia como os recursos eram aplicados pelo Governo. Essa percepção mudou quando ela passou a conhecer a gestão pública por dentro e a se aprofundar nos estudos da área:
– Eu tinha essa crença, como a maioria dos cidadãos, de que a gente paga muitos impostos. E não conseguia enxergar como o dinheiro do imposto era aplicado. Eu me formei em Contabilidade e passei no concurso como contadora. E essa tem sido minha missão: demonstrar como os recursos públicos são aplicados. Porque contabilidade nada mais é do que isso: trazer a informação sobre a aplicação dos recursos públicos arrecadados, explica.
Balanço cidadão nas escolas
Foi trabalhando no serviço público que Graziela começou a entender que o imposto pago pelo cidadão retorna na forma de benefícios diretos e indiretos para ele mesmo.
– Quando comecei a analisar os dados e a preparar as demonstrações contábeis para a tomada de decisão dos gestores, comecei a ver que a gente aplica tanto em educação, tanto em saúde… nós temos tantos professores, a gente tem tantos alunos matriculados na rede estadual… a gente também consegue perceber os atendimentos hospitalares. Às vezes ficamos só olhando nosso mundinho, na nossa bolha, e não conseguimos perceber a realidade do outro. E tudo isso é importante demonstrar. Porque se você fala só em bilhões, milhões… é difícil de entender de que forma esse recurso é aplicado, afirmou.
E hoje, o Balanço cidadão, projeto de educação fiscal do Governo de Santa Catarina coordenado por ela, não tem como alvo apenas o pagador de imposto. Estudantes do ensino médio de escolas catarinenses já estão em contato com o tema:
– A gente entendeu que para chegar nos jovens era preciso falar a linguagem deles. E usando a storytelling, o Balanço cidadão tem o uso muito forte da linguagem informal. A gente conta uma história e vai introduzindo dados sobre finanças publicas, explicando a forma como aquele recurso foi aplicado. Assim o universo das finanças públicas vai ficando mais próximo das pessoas, diz a gestora, que para explicar dados complexos já usou até a figura de Anita Garibaldi, a heroína de dois mundos que lutou na revolução Farroupilha e pela unificação do país.
Pensando como cidadã
As relações humanas são sempre uma boa pedida para tornar acessível algo que parece complexo. Aos domingos, no almoço com o pai, é quando Graziela também exercita a educação fiscal:
Eu sempre busco trazer a informação pensando como cidadã, e não apenas como contadora. Se eu fosse apresentar dados apenas como contadora apresentaria só dados técnicos. Pensando como cidadã, ao contrário, tento traduzir essa informação de modo que todos possam entender. Para eu chegar domingo e possa falar com meu pai sobre a situação das contas públicas de uma forma que ele consiga entender, e não apenas com dados técnicos. Explicar de que forma aquele recurso é aplicado é tão ou mais importante do que informar quanto foi aplicado, diz.
Quando o cidadão entende como os serviços públicos facilitam nossa vida, começa a ver a questão do imposto diferente, diz professora da USP
A professora de Contabilidade da USP Patrícia Varela elogiou a iniciativa do Comsefaz em jogar luz sobre esse tema no Congresso e destacou a parceria entre as gestões públicas e a academia:
– Temos um grande desafio que é fazer com que essa informação produzida pela contabilidade chegue aos usuários, cidadãos e seus representantes. Precisamos de todo um esforço para transformar e traduzir esses dados para uma linguagem mais simples e fácil de ser compreendida. Trazer esse desafio para o contexto acadêmico é importante para aproximar essa vocação da academia de produzir conhecimento para que esses problemas possam ser resolvidos. Então é importante trazer a discussão sobre o Balanço Cidadão. Porque quando as pessoas começam a entender o que é o Estado, a administração publica, como os serviços públicos que o Estado nos propicia facilitam nossa vida, a gente começa a entender de forma diferente (a questão do imposto). Sem saber os benefícios que a gente recebe do Estado, o cidadão fica com a visão de que paga muito imposto, avalia.