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Investimento público no Brasil: protagonismo estadual

Por Carin Deda*, João Marques** e Célia Carvalho***

Em meio à complexidade do cenário fiscal brasileiro, uma tendência silenciosa, mas determinante, tem se consolidado: o crescente protagonismo dos estados no investimento público do país. Em contraste à retração observada no âmbito da União, os estados têm direcionado parcela relevante de suas receitas para financiar o investimento, configurando-se grandes vetores do dinamismo do desenvolvimento nacional.

Ao analisar o volume investido nos últimos 10 anos, observa-se que, até 2019, União e estados apresentavam oscilações no volume de investimentos com comportamentos similares — ambos variando na mesma direção e em torno de médias próximas: R$ 60 bilhões para a União e R$ 55 bilhões para os estados (valores reais).

A inflexão ocorre a partir de 2020. Enquanto a União mantém sua média anual praticamente estável no patamar de R$ 62 bilhões até 2024 — com pico em 2023 (R$ 72 bilhões) e mínimo em 2021 (R$ 53,9 bilhões) — os estados iniciam uma trajetória de crescimento expressivo.

Gráfico 01 – Investimentos da União e dos Estados – 2015 a 2024

Notas: Elaborado com base nos dados do Siconfi, Anexo 1 do RREO, referente ao 6º bimestre; valores empenhados corrigidos pelo IPCA a preços de dez/2024; R$ em bilhões.

No período de 2020 a 2024, o volume de investimento estadual salta de R$ 48 bilhões para mais de R$ 104 bilhões, o que representa crescimento médio anual real de 17,9%.

Se excluirmos o ponto mais alto (2022) e o mais baixo (2020), a média no período ainda é expressiva, se aproximando de R$ 97 bilhões a.a. No mesmo intervalo, o investimento federal cresceu apenas 3,7% ao ano, em média. Trata-se, portanto, de uma inversão no protagonismo da política de investimento público no país, marcada por uma dinâmica ascendente no âmbito subnacional.

Sob a ótica do esforço fiscal, comparando investimento em relação a Receita Corrente Líquida (RCL), essa assimetria entre os estados e a União fica ainda mais evidente.

Entre 2015 e 2024, com exceção de 2020, o esforço de investimento dos estados foi superior ao da União e ganhou ainda mais destaque a partir de 2021 (gráfico 2). Enquanto os estados alcançaram 11,3% da RCL em 2022 e mantêm patamares acima de 8,0% desde então, a União apresenta trajetória declinante, com investimentos em 2024 equivalentes a apenas 4,8% da sua RCL. O contraste é mais evidente nos anos de 2021 a 2024: os estados praticamente dobraram, em média, o percentual da RCL investido pela União.

Gráfico 02 – Investimentos da União e dos Estados em relação à RCL – 2015 a 2024

Notas: Elaborado com base nos dados do Siconfi, Anexo 1 do RREO, referente ao 6º bimestre; valores empenhados corrigidos pelo IPCA a preços de dez/2024

Essa dinâmica revela não apenas um maior volume de investimentos, mas também um esforço fiscal proporcionalmente superior por parte dos estados. Mesmo sob a pressão de marcos regulatórios que frequentemente limitam o espaço fiscal — inclusive para aqueles com histórico de solidez fiscal —, muitos estados têm conseguido preservar e, em diversos casos, ampliar sua capacidade de investimento.

Esse fenômeno contrasta com a narrativa que afirma que há um descontrole generalizado nas finanças subnacionais, destacada em algumas análises recentes[1], e merece ser analisado à luz da diversidade fiscal e do compromisso com a responsabilidade financeira demonstrado por diversos estados.

É nesse contexto que se torna relevante ponderar sobre os riscos de iniciativas que possam, inadvertidamente, tolher a capacidade de investimento dos entes subnacionais.

A imposição de limites uniformes às despesas, sem considerar a heterogeneidade fiscal dos estados e suas distintas capacidades de gestão, pode comprometer a capacidade de financiamento de projetos estruturantes. Ao penalizar entes que mantêm trajetórias fiscais equilibradas e que, justamente por isso, têm espaço para investir, corre-se o risco de sufocar um grande vetor do investimento público no país.

 Além disso, a narrativa que associa a descentralização de recursos ao descontrole fiscal – embora atraente em seu apelo à responsabilidade – não resiste à análise criteriosa dos dados. Se, por um lado, a descentralização acarreta novos desafios de coordenação e monitoramento, por outro, ela se mostra necessária para que as políticas públicas alcancem maior efetividade e aderência às realidades locais. É por meio da atuação descentralizada, mas fiscalmente responsável, que se constrói um país mais equilibrado e desenvolvido.

Dessa forma, é imperativo reconhecer que o investimento público estadual não apenas supre a lacuna deixada pela União, mas também se configura como elemento essencial para a dinâmica de crescimento regional e nacional. Incentivar e preservar a capacidade de investimento dos estados deve ser entendido como estratégia fundamental para o fortalecimento do federalismo cooperativo e para a promoção do desenvolvimento econômico e social de forma harmônica e sustentável no Brasil.

* Carin Deda é Economista e Mestre em Gestão Urbana; Diretora do Tesouro Estadual do Paraná.
** João Marques é Economista, Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico, Diretor Adjunto do Tesouro do Estado do Paraná.

*** Célia Carvalho é Doutora em Administração, Administração Pública e Governo, Assessora Especial na Secretaria da Fazenda de Minas Gerais.


[1] Luiz Schymura, “Estados e municípios são os novos vilões do descontrole fiscal”, Valor Econômico, publicado em 01 de abril de 2025.

José Paulo Kupfer, “Descentralização fiscal é silenciosa e preocupante, alerta economista”, Economia UOL, publicado em 24 de março de 2025.

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