Ex-ministro da Fazenda do governo Sarney, o economista Maílson da Nóbrega foi um dos destaques, nesta quinta-feira (31), da programação do XIV Congresso Internacional de Contabilidade, Custos e Qualidade do Gasto no Setor Público, que acontece de 30 de outubro a 1° de novembro, no Centro de Convenções de Maceió (AL).
Na palestra, ele fez um comparativo sobre “As reformas orçamentárias dos anos 1980 e as balizas da reforma orçamentária do século XXI”. Na mesa coordenada pelo ex-ministro da Previdência Social Nelson Machado, também estavam o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Eurico de Santi, e a especialista em Orçamento Público e professora da EACH/USP, Úrsula Dias Peres.
Além de contar histórias de bastidores da época, Nóbrega fez um histórico do debate travado, ao longo da década de 1980, sobre a Lei Orçamentária 4.320, em vigor desde 1964.
Segundo o ex-ministro, o sistema orçamentário era um sistema institucionalmente primitivo:
“ O Brasil não levava a sério o orçamento e, a rigor, ainda hoje não leva. Até 1988 violávamos três princípios básicos do orçamento: unicidade, universalidade e legitimidade”, disse.
Na época, de acordo com ele, a despesa circulava em três orçamentos sem passar pelo Congresso: orçamento monetário, orçamento da Previdência e Orçamento-geral da União.
“O orçamento monetário era uma aberração e chegou a financiar uma parte da ponte rio Niterói. O orçamento da Previdência era aprovado pelo ministro da Previdência. E o Orçamento Geral da União (OGU) era uma peça de ficção, nunca foi equilibrado, ao contrário, era muito deficitário. E no OGU ainda tinha dois impostos ausentes: imposto de importação e IOF. A arrecadação, a regulamentação, o controle e a fiscalização eram feitas pelo Banco Central, e não pela Receita Federal. Nenhum desses orçamentos passava pelo Congresso, que é quem tem legitimidade para aprovar as leis”, destacou.
O ex-ministro avalia que o cenário atual ainda é complexo. E citou como exemplo o orçamento específico do Judiciário, aprovado pelos próprios juízes:
“O orçamento do judiciário, acho que é caso único do mundo, no qual as receitas provém das custas judiciais e cartorária e no qual as despesas são autorizadas por juízes, e não pelo Congresso”, disse.
Maílson da Nóbrega classifica como “aberração” o orçamento monetário. Entre as características do modelo, ele cita o fato de algumas despesas estarem fora do OGU, como subsídios, custeio de autarquias, feiras e exposições e compras de produtos agrícolas. O Banco do Brasil e o Banco Central também operavam sem limites do Congresso.
“O Banco do Brasil sacava sem limite ou custos em uma conta movimento, e o Banco Central atuava como banco de desenvolvimento, financiando o agronegócio, a indústria e as exportações. Tinha até uma equipe de análise de projetos”, ressaltou.
O Brasil e o FMI
De acordo com Nóbrega, a mudança se deu a partir de um acordo do Governo Federal com o Fundo Monetário Internacional (FMI), ainda em 1983.
“Como despertou a aberração da Orçamento Monetário? A partir de um acordo com o FMI. Não sabíamos calcular o déficit público. E esse era um dos compromissos que o Brasil assumiu com o FMI. Houve uma dificuldade crescente para fechar o orçamento monetário. O acordo com o FMI, em 1983, evidenciou nosso forte atraso institucional. A Secretaria-Geral do Ministério da Fazenda iniciou estudos sobre o assunto e os estudos resultaram em um Grupo de Trabalho para propor medidas corretivas. Dos subgrupos formados trabalharam 160 técnicos envolvendo os Ministérios da Fazenda, Planejamento, Agricultura, Banco do Brasil e Banco Central. Parte dos técnicos viajou aos EUA para examinar a execução orçamentária”, lembra.
Entre as medidas sugeridas pelos GTs criados, uma das propostas incluía a extinção da conta movimento do Banco do Brasil, o que ocorreu, embora com resistência das entidades de classe:
“Houve reação dos sindicatos e trabalhadores. Diziam que éramos “vendidos ao FMI”. Fui convocado a falar no Congresso sobre essa proposta. Um deputado da Bahia fez um discurso forte dizendo que eu estava vendendo a soberania nacional, ‘destruindo nossos valores’, que eu era o inimigo número 1 do Banco do Brasil. Agora passou, mas na época foi bem chato”, disse.
As sugestões dos grupos de trabalho previam ainda acabar com as funções do banco de desenvolvimento do Banco Central, que deveria se dedicar apenas às atribuições clássicas de um banco central moderno; extinguir o orçamento monetário; criar a Secretaria do Tesouro Nacional; unificar orçamentos, incorporando a OGU, os subsídios e outras despesas do Orçamento Monetário e orçamento da Previdência; além de um acerto de contas entre Banco do Brasil e Banco Central.
As medidas foram implementadas entre 1986 e 1988.
“A gente não sabia da existência do Orçamento do Judiciário naquela época, só nos demos conta depois”, disse.
Os problemas no orçamento ainda existem, afirma Maílson da Nóbrega. Além do orçamento específico do judiciário, que dispensa autorização legislativa, o economista destaca como problemas o fato dos subsídios à produção e ao consumo de energia não integrarem o OGU, o que viola os três princípios básicos das finanças públicas. Ele também critica o chamado “orçamento autorizativo”, já que na visão dele todo orçamento é impositivo. E defendeu a atualização da lei orçamentária a partir dos princípios, regras e critérios previstos no modelo que vem sendo estudado e elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal,
“A partir do trabalho que o Nelson Machado e o Eurico de Santi estão coordenando no Centro de Cidadania Fiscal, o êxito que vimos na reforma tributária pode ser reproduzido numa lei orçamentária atual e moderna”, concluiu.