Em artigo publicado pelo Valor Econômico, o jornalista e professor associado da Fundação Dom Cabral, Bruno Carazza, chama atenção para distorções no programa de Microempreendedor Individual (MEI) e a necessidade de “calibrar” essa política pública.
“Certas políticas públicas que, mesmo bem-intencionadas, se não forem calibradas corretamente, podem gerar problemas inesperados e bastante graves”, falou Carazza.
Carazza também é colunista do Valor, comentarista de Economia do jornal O Globo e autor dos livros “O País dos Privilégios” e “Dinheiro, Eleições e Poder”.
O professor apresenta dados da pesquisa Estatísticas dos Cadastros de Microempreendedores Individuais publicadas pelo IBGE nesta quinta-feira (22). Para ele, o estudo deixa evidente que, enquanto o MEI oferece vantagens como simplicidade na formalização e tributação reduzida, também apresenta sérios desafios a serem enfrentados, como a precarização do trabalho formal e o déficit da Previdência Social.
Ambos os desafios são um sinal de alerta para as finanças de União, Estados e Municípios, já que eles acenam para a redução do poder de compra da população e, consequente, menos arrecadação. “É como contratar um cenário futuro pior para os erários das três esferas federativas e para o próprio tamanho do mercado interno. Cada precarização previdenciária dessas, que costumam tramitar no debate público com rótulos de dissimulada positividade como ‘desoneração da folha’, são um pacto intergeracional de dificuldades previdenciárias futuras, para uma população cuja transição demográfica para o envelhecimento acelerou e que tem cada vez menos necessidade de trabalho. O ambiente de discussão da reforma tributária precisaria adotar e corrigir esses ou outros caminhos equivocados do financiamento público”, comentou o diretor institucional do Comsefaz, André Horta.
Carrazza afirma que as empresas, para reduzir custos com pessoal, têm optado por desligar seus empregados e terceirizar a contratação, um processo no qual fica nítida a precarização do trabalho formal, especialmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas e à estabilidade econômica.
“O primeiro sinal de que o programa tem levado a uma precarização do mercado de trabalho brasileiro advém do fato de que 69,4% dos MEIs ativos no país foram criados a partir de 2018, na esteira da reforma trabalhista e da legislação que ampliou as possibilidades de terceirização de atividades das empresas”, explicou o professor.
Apesar de contribuir para a Previdência Social, o MEI tem acesso limitado aos benefícios previdenciários, como aposentadoria por tempo de contribuição integral. Além disso, o valor recolhido é bem inferior ao valor recolhido de um funcionário celetista, contribuindo com o déficit da Previdência Social.
“Como a contribuição previdenciária dos participantes do MEI (5% do salário mínimo) é muito inferior ao valor recolhido pelo mesmo indivíduo se ele for celetista (até 14% do rendimento bruto), esse movimento de pejotização das pessoas com receitas de até R$ 81 mil por ano tem graves consequências sobre o déficit da Previdência Social. Para piorar, como o recolhimento do MEI se dá de forma autônoma, e não deduzida em folha, a taxa de inadimplência é bastante elevada (em torno de 60% dos participantes do programa), falou Carazza.