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Pós FIT: A experiência do princípio do destino na União Europeia

A aplicação do Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) na União Europeia e mecanismos para a promoção de justiça fiscal e para o fortalecimento do Fisco foi tema de painel do Fórum Tributário Internacional (FIT) realizado entre os dias 28 e 30 de agosto de 2023, em Brasília/DF.

Na ocasião, o Auditor fiscal e Conselheiro de Finanças da Embaixada da Espanha no Brasil, Francisco Javier Sánchez Gallardo, autor de “IVA para Expertos”, explicou como é administrada a tributação no destino em alguns países europeus.

A aplicação do princípio da tributação no destino na União Europeia possui características diferentes para as operações entre empresas e as operações de empresa para consumidor final. Também explicou como o esquema é aplicado para a taxação de serviços.

Na Europa, as alíquotas de IVA variam amplamente entre os países. A taxa padrão varia de cerca de 15% a 27%, dependendo do país, enquanto as taxas reduzidas podem variar de 5% a 15% ou mais.

No intuito de fomentar a discussão sobre o princípio do destino nos diálogos acerca da Reforma Tributária no Brasil, o diretor institucional do Comsefaz, André Horta, bateu um papo com Javier Sánchez. Veja abaixo o resultado desse proveitoso diálogo.

AH: Como funciona o princípio da tributação no destino na União Europeia?

JS: É um princípio que no início é assumido como um princípio geral, mas que depois é concretizado na regulamentação europeia do IVA. Uma regulamentação que depois é transposta às leis que regulamentam o IVA nos diferentes Estados.

Como essa é uma matéria que atinge as empresas que trabalham no mercado interno, a regulamentação comunitária é muito detalhada, estabelece muito especificamente como é que esse princípio tem que ser aplicado.

No caso de operações ou de vendas entre empresas tem que se distinguir entre mercadorias e serviços. No que diz respeito às mercadorias, o princípio de tributação do destino faz que categoricamente a mercadoria que se remete de um Estado da União Europeia para outro esteja sujeita ao IVA do país de destino e, ao mesmo tempo, essa mercadoria saia do país de origem com taxa zero. Ou seja, não tem impostos incorporados no preço da mercadoria, porque a mercadoria é taxada, é tributada, no país de destino. Gera crédito tributário na origem, mas a mercadoria paga o imposto no país do destino.

AH: Mesmo que seja uma transferência para empresas do mesmo grupo econômico localizadas em dois países intracomunitários?

JS: Quando se trata de serviços é a mesma coisa, só que o serviço não tem um destino específico, físico. Então, nesse caso, o normal é considerar que o serviço seja tributado no local do estabelecimento/residência da empresa compradora, do cliente, ou seja, do destinatário.

Já para os particulares, para as pessoas físicas, se faz da mesma forma só que o sistema de apuração e de pagamento do imposto é diferente. Então, a empresa que está no país de origem é que tem que pagar o IVA no destino por um sistema de balcão único que depois podemos comentar.

Mas, o geral é isso: uma mercadoria que sai da Espanha para a França quase sempre vai pagar o imposto na França. Um serviço que é fornecido da Espanha para a França quase sempre vai pagar o imposto na França. E os “quases” se referem a situações muito específicas, extremamente específicas.

Por exemplo, um pequeno artesão, um pequeno produtor, uma empresa que está produzindo queijo. Uma empresa muito pequena que tem o volume de vendas de € 3 a 4 mil, seria uns R$ 20 mil mais ou menos, pode pagar o IVA na origem. Nós estamos falando de microempresas. Essa seria uma situação excepcional.

Ou a situação de alguns serviços como, por exemplo, um serviço de hospedagem. Uma pessoa física francesa está visitando a Espanha e ficando em um hotel em Madri, aí o IVA fica em Madri. Porque seria muito difícil na hora de fazer o checkout perguntar para o cliente: – Você é francês? Você é Alemão? Você é brasileiro? (…) Enfim, são exceções, mas muito restritas, muito específicas.

AH: Então pelo modelo intracomunitário, o princípio do destino se realiza de forma que um cidadão tem quase todo o tributo que ele paga como IVA, imposto pago a partir da riqueza que ele criou/recebeu num determinado Estado. E uma certa reserva geográfica é observado mesmo no que tange ao fluxo dos créditos. Acho isso importante principalmente por causa da alocação dos empreendimentos. Se uma empresa não tem diferença no sistema de aproveitamento de créditos segundo a geografia, se não há vantagem tributária para abrir negócios em regiões inicialmente menos propícias a seus investimentos, que incentivo haveria para melhor distribuir os investimentos por todo o país, ou, nesse caso, por todos os países intracomunitários?  

As vocações diversas podem tender a se concentrar e promover cenários de desigualdade, sobredeterminado pelo status de  desenvolvimento histórico heterogêneo de uma dada época.

Como se consolidou o princípio do destino do IVA na União Europeia, existe desde a introdução ou tem sido um processo progressivo?

JS: Bom, foi um processo progressivo e que demorou muito tempo. Não foi uma coisa que aconteceu no início e também não foi uma coisa que se fez de um dia para outro.

O IVA existe harmonicamente nos países da União Europeia desde 1979. Antes se tinha países com o IVA. França, que foi o primeiro, Alemanha e outros, mas a harmonização do IVA aconteceu em 1979.

Em 1979 acontecia uma coisa muito interessante e muito importante para o feito do que estamos explicando: os países da União Europeia tinham alfândega entre eles. Não existia a união econômica, a união que temos agora. Então, uma mercadoria que estivesse indo da França para a Alemanha tinha que passar na alfândega. Aí, nesse momento, as mercadorias que trafegavam, que se mexiam entre diferentes estados pagavam o IVA no destino, já desde o início, porque o que tinha era exportações e importações. É exatamente a mesma coisa quando o Brasil exporta mercadorias para a Europa, ou mercadorias europeias chegam no Brasil, há um controle alfandegário que, no caso do Brasil, senão me engano, corresponde à Receita Federal e isso faz que sejam pagos os impostos, aqui o ICMS de importação e o imposto de importação. O que acontecia na Europa na época.

Em 1973 se criou o mercado interior, o mercado interno da União Europeia, e as alfândegas entre os países da Europa se suprimiram, desapareceram, sumiram. Contudo, como já havia um princípio da tributação no destino por causa da exportação e importação sujeita ao IVA, o que se fez foi respeitar esse princípio, só que chamando-o de “aquisição intracomunitária”, o que até esse momento era chamado de importação.

Após essa etapa se chegou o momento dos serviços. A tributação no destino para os serviços aconteceu nas décadas seguintes, começando nos anos 90 e terminando em 2010. Ou seja, demorou quase 20 anos.

Finalmente, depois de 2010 o que chegou foi o momento da tributação no destino para as pessoas físicas, ou seja, para os consumidores finais.  Teve um primeiro momento em 2015, quando se estabeleceu para os serviços e um segundo momento em 2021, que se estabeleceu para as mercadorias de forma generalizada.

Então, foi um processo, que poderíamos explicar com mais detalhes, o que acho desnecessário, mas demorou muito tempo e que teve uma segunda parte muito importante, além do que o sistema jurídico, que foi o desenvolvimento tecnológico que aconteceu na União Europeia e no resto do mundo, que fez tudo isso pudesse ser feito. Sistema de balcão único, eu acho que depois podemos comentar, é possível por causa da tecnologia. Há 30 anos atrás evidentemente não teria sido viável.

AH: Quais são os critérios utilizados para definir o local de destino?

JS: É outra pergunta muito adequada. Tem que fazer uma distinção inicial: o IVA abrange mercadorias e serviços (bens e serviços), não há distinção, isso é muito importante que fique claro. Tudo quanto é mercadoria, tudo quanto é serviço está sujeito ao IVA. No entanto, mercadorias e serviços são realidades diferentes.

No caso da mercadoria é muito fácil acompanhar o destino relacionando-o com o local de entrega dela. Então, se uma empresa espanhola vende uma mercadoria para um cliente italiano e a mercadoria é enviada para Milão, por exemplo, é muito fácil saber que a mercadoria foi para Milão. Há uma documentação de transporte que comprova que a mercadoria acabou em Milão, então o destino é Milão. É a mesma coisa se essa empresa espanhola está vendendo essa mercadoria para uma pessoa física. A mercadoria, por exemplo uma gravata, foi enviada da Espanha para a Itália: o destino pode ser sempre relacionado com o produto físico.

Para o caso dos serviços, não tem um produto físico, ou seja, não tem um destino físico. Se eu baixo um aplicativo no meu telefone, o aplicativo gera um download que eu faço da internet. Aí então, normalmente o critério que se usa é o critério da residência ou do estabelecimento do cliente, seja a empresa ou seja o consumidor final. Evidentemente isso gera muitas discussões, se tem muita jurisprudência, muito contencioso também, porque infelizmente não é automático, nem fácil. Mas, o esquema geral é esse.

AH: Uma vez que os bens e serviços têm de pagar o IVA do Estado de destino, qual é o Estado que audita se o IVA foi aplicado corretamente?

JS: A auditoria ou a fiscalização é sempre um problema. Eu sou Auditor Fiscal e sei bem disso. Na Europa tem um esquema de competência compartilhada, porque por uma parte o fisco que tem acesso ao contribuinte é o fisco do país onde o contribuinte fica, ou seja, os contribuintes espanhóis é o fisco espanhol que audita (que fiscaliza) porque é o fisco que tem como fazer essa fiscalização.

O que acontece: se a mercadoria é emitida da Espanha para a Alemanha e essa mercadoria será tributada na Alemanha é compreensível também que o fisco alemão tenha um interesse por essa fiscalização. Essa mercadoria se vendeu por realmente € 20 mil? Aqui estão dizendo que as mercadorias que receberam eram celulares, eram realmente celulares ou eram outras coisas?

Então, o que existe na Europa é um esquema de colaboração entre fiscos, com uma regulamentação muito detalhada e que faz com que se o fisco alemão, nesse esquema que acabei de explicar, tem alguma dúvida sobre a correta tributação dessa operação possa pedir ao fisco espanhol confirmar se o que foi apurado na Alemanha coincide e é coerente como o que foi declarado na Espanha.

Adicionalmente, e que na verdade é a origem de todo esse sistema, essa construção de cooperação entre administrações, essa mercadoria que foi emitida da Espanha para a Alemanha tem que ser informada. Na Europa existe uma coisa muito importante que se chama “mapa recapitulativo de operações intracomunitárias” e que é apunhado dessas informações. Quando o empresário espanhol transporta, remete mercadoria para o cliente alemão (francês, italiano), o empresário espanhol tem que informar ao fisco do seu país e este, por sua parte, informa ao fisco alemão.

Então, baseado nessa informação e em um esquema de colaboração entre as administrações é que se faz o controle de todo esse desenho de tributação do destino.

A tecnologia é básica aqui também. Esse “mapa recapitulativo” hoje é apresentado uma vez ao mês, ou seja, a empresa tem que recolher toda a informação, depois completa o formulário e apresenta ao fisco do seu país de origem.

Está se trabalhando na Europa, porque o IVA na Europa é um IVA vivo (em evolução), um sistema de informação online, de forma que não seja um formulário que se apresente e sim que seja um sistema de comunicação online entre o contribuinte e o fisco. De forma que, eu se eu vendi a um cliente italiano e mandei as mercadorias hoje, nos dias seguintes eu vou informar o fisco espanhol sobre as mercadorias que eu mandei para o meu cliente italiano. O fisco espanhol vai informar o fisco italiano e aí o fisco italiano terá condições de fiscalizar se a tributação no destino aconteceu adequadamente ou não.

AH: Como funciona a cooperação entre Estados para supervisionar a aplicação do IVA na União Europeia?

JS: Baseada na cooperação. Essa cooperação tem que ser bem entendida e explico. Na época, por isso a origem histórica é muito importante,) na época, ou seja, até 31 de dezembro de 1992 haviam alfândegas. Então, o caminhão que estava entrando na Espanha com origem da França tinha que parar e tinha um controle alfandegário. Isso desapareceu.

Hoje, um caminhão pode sair de Lisboa e chegar a Bucareste, que é a capital da Romênia, quatro ou cinco dias depois sem ter que parar. Vai parar só para abastecer ou para o motorista descansar. Não tem controle.

Então, essa falta de controle físico na administração tributária se substituiu por uma informação, por um controle virtual baseado na informação fornecida pelos contribuintes. Assim, se hoje (04 de setembro) uma mercadoria é transportada de Madri para Lisboa, então no percurso do mês de outubro o vendedor terá que apresentar um formulário para o fisco espanhol dizendo que no mês de setembro vendeu para o cliente X  (cliente português que tem um cadastro y em seu país) a mercadoria por um montante XX. Tendo baseado essas informações em um cadastro de contribuintes europeu, o cadastro é comum para toda a Europa. Evidentemente é a soma dos cadastros de todos os países, mas tem um cadastro comum.

Então se meu cliente português tem como número de cadastro “PT (que é o prefixo de Portugal) X”, eu vou informar para o fisco espanhol que eu vendi para o meu cliente “PT X” a mercadoria tal por tal valor. O fisco espanhol irá informar ao fisco português. E quando há dúvidas, há esse esquema de cooperação e todos os países da União Europeia tem um sistema de comunicação, em um escritório específico, que estabelece essa comunicação.

AH: Fala-se muito do sistema de janela única que existe na União Europeia, como funciona e para que tipo de operações é aplicado?

JS: É um sistema interessante também. Janela única ou balcão único, não sei qual a expressão adequada, mas fala-se muito disso.

A tributação no destino, se a pessoa (cliente, comprador) é sujeito passivo… se o comprador é uma pessoa física, muda por completo. Por exemplo, eu sou espanhol e vendo sapatos. Se eu vendo para clientes, e eu vendo online, para clientes franceses, italianos, alemães, belgas, toda a Europa (…) esses sapatos têm que pagar IVA no destino, nos países do destino. Mas, ao mesmo tempo imaginem que fossem os compradores que apurassem o imposto, que fizessem o pagamento para o fisco de seus países, é difícil. Primeiro porque são muitos, segundo porque são clientes que não têm o habito de apurar o IVA e finalmente porque é muito difícil a fiscalização, porque estaríamos falando das empresas grandes com milhares de clientes.

Então, o que se faz? O que se faz é que eu, que sou o fabricante de sapatos, eu tenho que apurar o imposto (eu tenho que apurar o imposto francês, alemão, italiano ou belga), tenho que pesquisar na internet para saber qual é a taxa e irei pagar as taxas desses países (de acordo com o cliente para quem estou vendendo, é claro).

Por exemplo, eu vendi um sapato para um cliente Francês por € 100. Então eu tenho que aplicar o IVA Francês. Então, vamos dizer que seja 20%. Eu tenho que calcular € 100 mais € 20 de IVA. Assim, vou pagar esse IVA para o fisco espanhol, mas informando que esse IVA é para a França.

Evidentemente existe um formulário específico, existe toda uma tecnologia que faz que tudo isso seja possível. Daí o fisco espanhol irá recolher trimestralmente todo esse IVA que não é dele, mas de todos os outros Estados da União Europeia e irá remeter para os Estados compradores (de destino), que irão ficar com esse imposto.

Como estamos falando de vendas à consumidores finais, não tem crédito tributário para eles, exatamente igual quando você ou eu compramos um sapato aqui em Brasília e ali, no ato da compra, acabou a apuração do imposto.

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