Elas chegaram lá. E estão no comando, com a “chave do cofre”, de uma das áreas mais estratégicas e sensíveis dos governos estaduais. Elas se prepararam para chegar e permanecer onde estão. E mesmo com currículo, experiência e competência atestada ainda precisam vencer o preconceito e a desconfiança alheia pelo simples fato de terem nascido mulher num país de maioria feminina, mas que ainda reserva o maior número dos postos de chefia e gestão aos homens.
Das 27 unidades da federação, apenas quatro estados brasileiros mantêm mulheres no comando das secretarias de Fazenda, o que representa apenas 14,8% das vagas. Nas três esferas da República, os homens dominam os principais cargos. O Congresso Nacional é outro espelho dessa relação culturalmente machista. Embora estejam em maior número em comparação à legislatura anterior, a Câmara dos Deputados conta com apenas 17,7% de mulheres em suas fileiras. No Senado, o percentual é ainda menor, com a bancada feminina representando 17,2% da Casa. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reduziu ainda mais a participação das mulheres na Corte. Há apenas uma mulher entre os 11 ministros de toga.
Neste 8 de março, data em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, o Comsefaz procurou as autoridades femininas que comandam as Fazendas estaduais de seus respectivos estados: Renata dos Santos (AL), Sarah Araújo (SE), Selene Peres (GO) e Pricilla Santana (RS). Ouvimos ainda a subsecretária da Fazenda de Tocantins Márcia Montovani, uma voz ativa nos principais debates do Colegiado.
Quem são essas mulheres e o que elas pensam sobre representatividade feminina no comando de uma área dominada historicamente por homens ? Com trajetórias distintas e uma vasta experiência profissional, Renata, Sarah, Selene, Pricilla e Márcia são símbolos de uma geração formada por gestoras técnicas que com sensibilidade política já deixaram uma grande contribuição ao Brasil, como nos embates para evitar perdas e melhorar a arrecadação dos estados e na recente aprovação da Reforma Tributária, após três longas décadas de debates.
A seguir, o que pensam as mulheres que comandam as finanças dos estados brasileiros:
Renata dos Santos (AL): “A luta pela igualdade de gênero é longa, mas estamos no caminho certo”
“Neste mês dedicado à mulher, minha história como economista serve como um reflexo dos desafios e conquistas que permeiam a trajetória feminina na área.
Embora a proporção de mulheres na economia seja similar à dos homens, nossa jornada profissional é marcada por diferenças significativas. Conciliar carreira e família é um desafio constante, muitas vezes dificultando o avanço profissional das mulheres.
Mesmo com o apoio da minha mãe, a culpa por deixar minha filha para estudar e trabalhar me acompanhou por muito tempo. Ao longo da carreira, enfrentei diversos obstáculos, desde a discriminação velada até a percepção de que eu era apenas a sombra dos meus chefes.
No entanto, tive a sorte de encontrar chefes progressistas e feministas que abriram portas para mim e me permitiram alcançar cargos de liderança. Homens como estes são exemplos de aliados essenciais na luta pela igualdade de gênero.
Superando obstáculos, hoje me sinto feliz em poder abrir portas para outras mulheres na Secretaria da Fazenda e em outras áreas da minha vida profissional.
Minha trajetória serve como um exemplo de que, apesar das dificuldades, podemos alcançar nossos objetivos e contribuir para a construção de um futuro mais justo e igualitário para todas as mulheres.
A luta pela igualdade de gênero na economia ainda é longa, mas estamos no caminho certo. Precisamos continuar trabalhando juntas para que as futuras gerações de mulheres não precisem enfrentar os mesmos desafios que nós.
Minha história é apenas uma entre tantas outras, mas spero que sirva de inspiração para que outras mulheres sigam seus sonhos e busquem seu lugar na sociedade. Juntas, podemos construir um futuro em que todas as mulheres tenham as mesmas oportunidades de sucesso e realização“.
Sarah Araújo (SE): “Gostaria de falar para todas as mulheres que a gente consegue!”
“Nós somos subestimadas diariamente no nosso trabalho. Somos diariamente questionadas e desvalorizadas, colocam nossa capacidade em dúvida. Como secretária de Fazenda de Sergipe, gostaria de falar para todas as mulheres que a gente consegue!
Ainda existem pessoas que acreditam que a mulher precisa escolher entre ser mãe ou profissional. Sobre isso, volto um pouco no tempo para falar sobre minha experiência. É fácil? Claro que não! Existe algo fácil para as mulheres?
Eu estudei muito para ser uma das melhores da minha turma no segundo grau, estudei mais ainda para passar no vestibular de Economia. Depois estudei 14 horas por dia para passar no concurso de Auditora de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional. Trabalhava final de semana, trabalhava até madrugada.
Hoje apresento resultados promissores na Sefaz, de destaque nacional. Com o apoio da minha equipe, pois ninguém faz nada sozinho nesse mundo, Sergipe conseguiu o segundo melhor resultado primário do Brasil em proporção da receita do Estado”.
Selene Peres (GO): “Na sociedade ainda há dificuldade em aceitar a mulher em posição de comando”
“O Dia Internacional da Mulher deve ser um momento não só de comemoração, mas de reflexão sobre os desafios profissionais que nós mulheres temos. E na dificuldade de conciliar a profissão com a vida pessoal, muitas vezes sem apoio.
É preciso lembrar que no Comsefaz, dos 27 secretários, apenas 4 são mulheres. Temos o apoio dos colegas, mas na sociedade ainda há uma dificuldade em aceitar a mulher em posição de comando.
E isso é um desafio que tem que ser vencido diariamente com muito empenho, com muita dedicação e com muito profissionalismo. Quero parabenizar minhas colegas secretárias de Fazenda que atuam comigo no Comsefaz”.
Márcia Mantovani (TO): “A minha geração abriu portas”
“O que eu posso falar sobre essa luta? Porque é uma luta muito árdua. Chegar a uma posição de comando, em uma instituição pública, na minha geração, foi algo extremamente complexo. Primeiro porque as mulheres da minha geração não foram preparadas para isso. Internamente havia resistência para ceder à vontade de ser uma profissional contra a obrigação de ser mãe, de ser esposa, de ser dona de casa (…) e pensar que para você se colocar em uma posição de comando, você precisa fazer com que esse lado da sua vida abra espaço.
Mas, por outro lado, é extremamente gratificante, porque você abre caminhos. Você faz outras mulheres acreditarem que isso é possível.
Hoje, eu acredito plenamente que a nova geração já enxerga essa possibilidade como algo totalmente possível. Como algo totalmente provável de acontecer. Temos muito a comemorar.
A minha geração abriu portas. É uma geração que lutou muito. Saímos de uma posição de sermos dona de casa para conquistar o mundo.
Me sinto extremamente realizada e feliz em ver as possibilidades que a gente abriu e como as mulheres hoje estão empoderadas, apesar de ainda metade do caminho para chegar onde merecemos”.
Pricilla Santana (RS): “Com dedicação, capacidade e inteligência não há hoje mais limites para o nosso crescimento”
“Cada vez mais as mulheres têm assumido funções e responsabilidades fundamentais para o bem-estar de suas famílias e para a sociedade. Nem sempre é fácil atender a todas as responsabilidades que têm à frente, mas com dedicação, capacidade e muita inteligência, não há, hoje, mais limites para o nosso crescimento.
Como secretária de Fazenda de um dos Estados mais importantes do Brasil, fico muito feliz em testemunhar esse novo momento no nosso país, algo que há poucas décadas era impensável. Ainda temos muito a avançar no caminho para o pleno reconhecimento da capacidade das mulheres no mercado de trabalho, mas creio que esse seja o momento de comemorar os avanços, trabalhar para que esse caminho seja cada vez mais fortalecido e desejar a todas as colegas um feliz dia”.